terça-feira, 10 de março de 2009

Teatro Jesuítico

Contexto Histórico.


"O teatro chegou a o Brasil tão cedo ou tão tarde quanto se possa desejar. Se por teatro entendermos espetáculos amadores isolados, de fins religiosos ou comemorativos, o seu aparecimento coincide com a formação da própria nacionalidade , tendo surgido com a catequese das tribos indígenas feitas pelos missionários da recém fundada Companhia de Jesus.Se, no entanto , para conferir ao conceito sua plena expressão, exigirmos que haja uma certa continuidade de palco, com escritores, atores e publico relativamente estáveis, então o teatro só terá nascido de alguns anos após a Independência, na terceira década do século XIX. Entre os projetos que os jesuítas traziam de Portugal, ao criar a província do Brasil em 1552, logo estaria o de realizar representações escolares que, reafirmando o ponto de vista católicos contra os protestantes, na linha da Contra-Reforma, dessem ainda aos alunos de seus colégios a oportunidade de praticar o latim,a exemplo do que se fazia na Europa. A precariedade cultural do Brasil, todavia, nesse bravios tempos de colonização em que os próprios idiomas europeus podiam figurar como estrangeiros, levou os responsáveis pela Companhia a transigir, admitindo em seus espetáculos, ao lado do português e do espanhol, até mesmo o tupi, ou língua geral, a única capaz de atrair aquela porção de publico, a indígena, que mais interessava aos jesuítas conquistar.

Se já em 1557 o padre Manoel da Nóbrega, o primeiro provincial do Brasil, escreveu um dialogo sobre a Conversação do Gentio, o teatro via acima de tudo expandir-se sobretudo a partir de 1567 (data aproximada), quando o padre José de Anchieta, por sugestão de Nóbrega, faz representar em São Paulo de Piratininga uma peça intitulada (por motivos que só podemos conjeturar) Pregação Universal, da qual não sobreviveram mais que duas estrofes. Entre esse modesto inicio e o final do século, alguns historiadores, valendo-se de referencias passageiras, chegaram a numerar vinte e cinco espetáculos, incluindo-se neles peças e simples diálogos, montados pelos jesuítas.¹ Numero certamente significativo, mas que devemos dispersar não só por algumas décadas como por meia dúzia de postos avançados da civilização cristã. A Companhia de Jesus mantinha “escolas de ler e de escrever” ou colégios de humanidades em Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Vicente e São Paulo(“sertão e cabo do mundo”, no dizer do padre Fernão Candim² porque era a única vila afastada da orla atlântica). Todo esse pequeno acervo dramático estaria provavelmente perdido não fosse certas circunstancias bastantes especiais, como veremos, terem conservados oito textos , todos eles, de resto, atribuídos a um único autor, José de Anchieta (1534 - 1597)."


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¹Cf. Lothar Hessel e Georges Raeders, O Teatro Jesuítico, Porto Alegre, Universidade do Rio Grande do Sul, 1972, p. 19.
²Fernão Candim, Tratados de Terra e Gente do Brasil, 2ª ed., São Paulo, Editora Nacional, 1939, p. 313.
Bibliografia:
PRADO, Décio de Almeida. Teatro de Anchieta a Alencar. São Paulo, Editora Perspectiva, 1993, p. 15.



Sobre o Teatro Jesuíta.

Em 1549 chegou ao Brasil a primeira missão jesitica, chefiada por Manoel da Nóbrega. Viera a pedido de D.João III, que sentiria a necessidade de contar com alguém nas colônias, que acreditasse me algo mais que a simples ambição e os desejos carnais. O Brasil, para os que aqui apontavam, era apenas uma fase transitória, cujos lucros fáceis compensariam a instalação de família e fortuna na Metrópole.
Tornava-se, pois, necessário na Colônia a presença de alguém que pensasse em humanizar o selvagem, de alguém que coibisse os abusos. Pensando assim foi que o Rei “Piedoso” solicitou o auxilio dos filhos de Loiola.
Não Foram poucos os trabalhos que ao jesuítas tiveram de enfrentar para poder levar adiante seu trabalho. Se por um lado encontravam a má vontade dos colonos movidos pela ambição, por outro, encontravam o índio arredio e belicoso contra o elemento branco. Entre outra dificuldade precisaram ainda contornas a incompreensão do próprio clero, incapaz de aceitar os métodos implantados na catequese.
Reunis os índios em aldeamento, em bases permanentes, foi o primeiro passo dado pelos jesuítas. Uma vez aldeados poder-se-ia afastar o elemento cristianizado da influencia do pagão. Também poder-se-ia fixar o solo ao indígena, geralmente nômade. Os aldeamentos passaram a ser um lugar de trabalho, oração e onde diversão também era oferecida.
O Pe. Fernão Candim no seu trabalho aos índios refere-se as muitas qualidades dos naturais da terra. Dentre elas a docilidade da criança, a inclinação natural e a grande habilidade para a música e a dança. O amor do selvícola pela dança e pelo canto era tão grande que ele chegavam a perdoar um inimigo, caso ele fosse um bom cantor.
É lógico que sendo a catequese a finalidade primeira da companhia, esta deveria sobrepor-se sobre qualquer preocupação literária.Desta forma a, a estética jesuítica vai busca sua origens no mais tradicional teatro hierático medievo. Ao abandonar, em tudo, os idéias estéticos da Renascença, podemos filiar o teatro jesuítico praticado no Brasil, na mesma predominância literária do teatro de Gil Vicente, o qual, ao romper com o classicismo, mergulhou suas raízes nos autos populares medievais. Gil Vicente em tudo foi um protobarroco, e o movimento barroco assim com a Companhia de Jesus, nasce da Contra-Reforma. Encontramos na obra vicentina, assim como nos autos jesuíticos, a mesma liberdade de ação, tempo e lugar, um numero de personagens muito além do permitido pela regra clássica, o uso e a abuso do grotesco em contraste com o sublime, a introdução de critica social e de costume, personagens reais dialogam com personagens abstratos, a dualidade de sentimentos como elemento constante; coadunando-se com os propósitos da Companhia, assim como os da doutrina que pregava.
O teatro jesuítico foi uma armo poderosa no combate à antropofagia, às superstições ás mancebias e a todos os vícios, fossem eles dos gentios ou dos colonos, como também “aprimorava o culto, familiarizava os aborígenes com as figura sagradas”.¹
As espécies de teatro mais cultivadas pelos seguidores de Loiola foram os autos, as comédias e as tragédias.

Auto de São Lourenço.

Na Festa de São Lourenço congrega um elenco de personagens tão disparatadas, tão disparadas, tão dilatadas no espaço e no tempo, quanto se possa desejar. Desfilam em cenas nos papeis principais, Guaixará e Aimberê, conhecidos chefes tamoios, que haviam lutado em 1566 – 1567 ao lado dos franceses, contra portugueses e jesuítas, entre os quais se encontravam, correndo risco de vida, Nóbrega e Anchieta;Décio e Valeriano, imperadores romanos dos primeiros séculos; São Sebastião e São Lourenço, mártires cristão desse período, um morto a flechada em um “assado na grelha”(pratica, seja dito de passagem, que não deviam surpreender nem chocar o público indígena); um anjo; o Temor e o Amor de Deus, figuras simbólicas(como todas de certo modo o são), inseparáveis porque complementares. À volta deles estende-se uma rede de referências ainda mais ampla, colhendo desde César, Pompeu e Nero, até Esculápio, Plutão e Júpiter.
Na primeira cena do manuscrito, aliás sem título², por ter desaparecido a página inicial, Guaixará e Aimberê preparam-se para atacar a vila de São Lourenço. Em seu diálogo, todo ele em língua tupi, alternam-se o medo (Aimberê: “Tenho medo, todos os meus músculos tremem, estão ficando duros”) e a fanfarronice (Guaixará: “Recrudeça a minha insolência antiga!”), os dois um tanto rindículos, pela covardia ou pela pretensão, na tradição dos diabos cômicos apreciados pelos indígenas, segundo Cardim. O episódio termina com a prisão dos demônios, executada pelo Anjo (Anjo custódio da cidade, semelhante ao Anjo da guarda das pessoas), ajudado por São Lourenço e por São Sebastião. Não há atrito entre os litigantes, resistência efetiva por parte dos diabos – e talvez nem pudesse haver, dada a disparidade de força entre Deus e
Pues me honraste,
y siempre me contestaste
ofendiendo a Dios eterno,
es justo que em el infierno,
palácio que tanto amaste,
no sintas mal el invierno.


Essa estranha delegação de poderes permite manter-se a nota cômica, seja realizada com requintes de crueldade mental que não fariam bem em anjos e santos. Que o Mal seja punido pela Mal, deixando o Bem com as mãos limpas – e o poder decisório.
Elementos da mitologia indígena como os “anhangás” ou os diabos, eram também aproveitados na elaboração dos textos dramáticos. No Auto de São Lourenço, os diabos índios são habilmente explorados, conseguindo o autor obter deles um grande efeito cênico. Neste auto encontramos Guaixará, rei dos diabos, servidos por dois criados, Aimberé e Saravaia, os q
uais, por sua vez, são servidos por uma serie de diabos menores:Urubu, Tataurana, Caborê, Jaguaruçu, e outros. Como a construção dramática dos autos jesuíticos permitisse total liberdade, pois não se obrigava ter unidade no enredo, encontramos dialogando, com a maior naturalidade, imperadores romanos e índios. Veja-se, por exemplo, entre os versos 776 e 1086 de Na Festa de São Lourenço, Aimberê e Saravaia em discussão com os imperadores Décio e Valeriano.
A Figura do diabo e de seus assistentes tem grande predominância nos autos jesuíticos, tal com acontecia nos autos medievais. Sem temor, podemos afirmar que o clímax do texto, do ponto de vista literário, ou da encenação, concentra-se nos momentos em que estão em cena figuras de diabos. Isso nos leva a concordar com Friedrich Dürrenmatt quando diz em suas “Considerações sobre a arte de escrever Teatro”: “Muitas vezes meditei eu, dias interiores, sobre o fato de a mais interessante figura do teatro ser o diabo”.
Além de “anhangás”, sabiam os jesuítas aproveitar outro elemento tirado da etnologia, da fauna, língua etc.
Pudéssemos retroceder no tempo e veríamos que esse tipo de teatro não poderia ser construído diferentemente. Tendo a finalidade específica de educar e catequizar, o entrecho dramático não se dirige apenas ao colono, na maioria das vezes rude e inculto, mas, também, ao índio ignorante, ingênuo e supersticioso.

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¹ Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, II vol.
² O título Na Festa de São Lourenço Foi dado pela tradutora por analogia com os de outras peças de Anchieta.

José de Anchieta

"Um desses pais tolerantes,entre os que por excelência se distinguiram na obra da catequese, foi sem duvida José de Anchieta, nascido aos 19 de março de 1534, dia de festa de São José, em são Cristovão da Laguna, capital da ilha de Tenerife, do arquipélago outrora denominado das Fortunadas e já então conhecido como das Canárias.Era seu pai de origem Biscaia e sua mãe natural da Grã-Canária,a ilha principal do grupo."
"José de Anchieta criou-se num ambiente de farturas e de respeito cristão , na casa de seus pais, Plaza de El Adelantado, em Laguna. Bem cedo nele se manifestou nele a vocação religiosa. Terminando o curso de primeiras letras, foi ele com um irmão a estudar na universidade de Coimbra. Amadureceu a inteligência nas escolas dos padres de companhia de Jesus e tamanha era sua espiritualidade, os encantos e singelezas de sua prosa, a facilidade com que aprendia a manejar o verso, que lhe deram, os seus mestres e companheiros, a antonomásia de Canário. Completou o curso de filosofia mantendo patético fervor pela Virgem Senhora Nossa. Andava sempre adoentado. E tão abalada ficou sua saúde que julgaram os seus superiores mandá-lo pra melhores e mias saudáveis ares."
"Há poucas referências de historiadores aos últimos momentos dessa vida preciosíssima. Vamos encontrar e reler em Padre Simão estes dados curiosos: Achavam-se a sua residência e comumente à sua cabeceira, cinco sacerdotes, religiosos, filhos e discípulos, criados em sua doutrina, a quem com sigo levava a alma, vendo que perdiam tal pai e mestre. A estes consolavam com palavras de vida e lhes pedia lhe falassem das coisas celestes, até a ultima boqueada. Até que passado largo tempo de enfermidade, consumido a força de calor e tormentas o alento e umidade radical, querendo o céu premiar o trabalho de seu servo fiel, sentindo-se ir desfalecendo pediu com pressa os sacramentos últimos do viático e santa unção, e, recebidos uns e outros com devoção grande de sal alma, pouco depois começou a entrar em agonia e logo entre suspiros e saudades, com o nome de Jesus e Maria na boca, em braços de cinco sacerdotes, que o ajudavam, um domingo, nove de julho do ano do Senhor, de 1597, quarenta e quatro que entrou no Brasil, foi desatada aquela alma venturosa das cadeiras da carne e voou a seu Criador. Ficou seu corpo alvo, bem assombrado, não como aquele que estava sem alma, mas como, quando transportado em êxtase, fora em vida muitas vezes achado"."
"O humilde José não foi só o poeta da Virgem Santíssima, o historiador das fundações, o cantor dos indígenas; foi também o primeiro teatrólogo do Brasil o seu nome esta ligado às tentativas fundamentais do teatro no remoto tempo em que o Brasil ainda não era o Brasil. A sua inteligência privilegiada compreendeu claramente que seria difícil a educação do indígena sem métodos diretos, sem o aproveitamento do canto e da cena.Os meninos que acompanhavam os catequizadores entoavam entoavam os hinos com magnífico efeito, pois eram maviosos cantores. "Se a terra explica a gente", dizia Afânio Peixoto, "como nos ensinam os sábios de todos os tempos, não surpreendera serem os brasileiros, tão dados a poesia e ao canto. Já o eram os aborígenas". "

"A peça teatral mais conhecida de José de Anchieta é o Mistério de Jesus , ou Jesus Na Festa de São Lourenço,drama sacro em dois atos."
"Deduz-se da noticia bibliográfica nele contida que não andaram acertados os que se referiram a esse auto como sendo intitulado Jesus na festa de São Lourenço. O que se lê no autógrafo de Anchieta é Na festa de São Lourenço."
"A tragédia de São Lourenço, acusado de haver destruído os tesouros que lhe foram confiados, ao substituir o Papa Xisto II; o séqüito de cegos, paralíticos, órfãos, viúvas e 0pobres, que apresentou para defender-se,havia seduzido a imaginação de José, conquistado pelo cenário dramático do martírio do santo, queimado vivo sobre grelhas de ferro em brasa. O tema prestava-se à finalidade da catequese e ás construções morais. Outros martírios também lhe seduziram a mente: de São Maurício (degolado), São Sebastião (asseteado), as Onze Mil Virgens (vitimadas pelos hunos). O auto principal, transcrito do caderno que se encontram esses martírios, é representado Na Festa de São Lourenço."
"Tema – Após a cena do martírio de São Lourenço, Guaixará chama Aimberê e Saravaia para ajudarem a perverter a aldeia. São Lourenço a defende, São Sebastião os prende. Um anjo manda-os afogarem Décio e Valeriano. Quatro companheiros acorrem para auxiliar os demônios. Os imperadores recordam façanhas, quando Aimbirê se aproxima. O calor que se desprende dele abrasa os imperadores, que suplicam a morte. O anjo, O Amor e ao Temor de Deus aconselham caridade, contrição e confiança em São Lourenço. Faz-se o enterro do santo. Meninos índios dançam."
"Não falta quem negue valor e mérito literário às obras de José de Anchieta. Dizem esses palradores que eles nada mais fez que copiar os mistérios medievais e os autos de Gil Vicente. Já é levar longe a má-fé o queres obscurecer o tentame realizado no meio da selva, entre brutos e ignorantes, mal saídos da sombra da antropofagia, por um pugilo de heróis que não se arreceavam de criar ilusões entre perigos mortais, sob constantes ameaças crudelíssimas."

“ Quando se inclui o nome de Anchieta entre os dos que realizaram certo esforços para essa fundação, não se quer mais que lhe dar o reconhecimento histórico de sua contribuição. O seu teatro foi sem dúvida a primeira manifestação de teatro no Brasil. Há ainda, para o grande missionário,a dirimento de se ter lembrado sempre do sentimento popular, contemplando-os nos subsídios nacionais de que enchia a sua obra. Não era possível fazer mais. Mesmo porque Anchieta nunca teve a pretensão de criar, com os seus espetáculos, uma arte cênica nacional. Tudo mostra, ao contrario, que ele só quis se servir do teatro como instrumento acessível para a catequese. A originalidade de uma criação era-lhe tão incompatível com a índole como a época.”¹

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¹Carlos Susseking de Mendonça

Bibliografia:

Anchieta / Joaquim Thomaz.Rio de Janeiro : Biblioteca do Exercito Ed, 1981.

Sites relacionados:


Teatro Guaira
http://www.tguaira.pr.gov.br/tguaira/modules/conteudo_historia/conteudo_historia.php?conteudo_historia=21

Historianet
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=444

Lyra Theatral
Projetos de pesquisa em andamento
http://www.ceart.udesc.br/projetos/artes_cenicas/estetica_recepcao_historia/projetos.htm


História do teatro

http://liriah.teatro.vilabol.uol.com.br/historia/teatro_brasileiro.htm


Artigo

http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_031.html


Travessias

Pesquisa em educacao, cultura, linguagem e arte

http://www.unioeste.br/prppg/mestrados/letras/revistas/travessias/ed_002/educacao/teatrojesuitico.pdf

http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_teatro_jesuitico.htm



Trecho do filme :A Missão















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